Entendendo as Cardiopatias Congênitas | Parte 2 – Hiperfluxo Pulmonar

No artigo anterior tivemos uma introdução ao funcionamento normal do coração. Aprendemos que ele é formado por quatro câmaras (2 átrios e 2 ventrículos) que funcionam como se fossem dois corações independentes, um ( do lado direito) responsável por receber sangue venoso (rico em gás carbônico) do corpo e envia-lo aos pulmões, e outro (do lado esquerdo), que recebe sangue oxigenado (arterial) dos pulmões e distribui para todo organismo. Esses “dois corações” são separados por uma parede íntegra chamada de septo cardíaco (septo interatrial ao nível dos átrios e septo interventricular ao nível dos ventrículos).

As cardiopatias congênitas são extremamente variadas, mas podem ser mais bem compreendidas se as dividirmos em grupos, de acordo com a sua relação com os pulmões. Desse modo temos as cardiopatias de hiperfluxo pulmonar; hipofluxo pulmonar e normofluxo pulmonar. O artigo de hoje se concentrará nas cardiopatias de hiperfluxo pulmonar.

 Cardiopatias de hiperfluxo pulmonar.

São defeitos cardíacos onde ocorre um aumento do fluxo de sangue para os pulmões, devido a condições que permitam uma “fuga” do sangue do lado esquerdo para o lado direito do coração. São as cardiopatias congênitas mais comuns.

As principais cardiopatias de hiperfluxo pulmonar são os defeitos no septo cardíaco, conhecidas pelas siglas CIA e CIV.

CIV significa Comunicação Interventricular, ou seja, é um defeito no septo interventricular.

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CIA significa Comunicação Interatrial, ou seja, é um defeito no septo interatrial.

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Outra cardiopatia causadora de hiperfluxo pulmonar é a Persistência do Canal Arterial (PCA). O Canal arterial é uma estrutura vascular presente na vida fetal, responsável por ligar à artéria pulmonar (que sai do ventrículo direito) à aorta (que sai do ventrículo esquerdo). Esse canal costuma desaparecer nos primeiros dias de vida e sua permanência constitui a doença.

coracao PCA

Outra cardiopatia muito importante, principalmente devido sua prevalência nas crianças portadoras de síndrome de Down, é o Defeito do Septo Atrioventricular. O septo atrioventricular separa os átrios dos ventrículos, e é formado pelas valvas mitral (esquerda) e tricúspide (direita). Nessa doença as valvas, que normalmente são individualizadas, apresentam um anel único que faz com que elas se fixem no mesmo plano, levando ao aparecimento de uma CIA e/ou uma CIV adjacente.

coracao-Defeito do Septo AtrioventricularComo podemos perceber há uma grande variedade de cardiopatias de hiperfluxo pulmonar (aqui citei as mais frequentes), que apesar de suas particularidades apresentam características em comuns.

 Entendendo o Hiperfluxo Pulmonar

A relação entre o coração e os pulmões é perfeitamente sincronizada. O coração distribui o sangue arterial ao organismo (coração esquerdo), recebe de volta o sangue venoso e o envia aos pulmões (coração direito), onde ele é oxigenado e reenviado ao coração, fechando assim o ciclo. As perdas nesse processo são insignificantes, o que quer dizer que tanto o lado esquerdo quanto o lado direito do coração trabalham com o mesmo volume sanguíneo, e, consequentemente, os pulmões e o restante do organismo recebem esse mesmo volume.

Nas cardiopatias de hiperfluxo pulmonar há um desbalanceamento nessa relação, o que permite que o sangue do lado esquerdo chegue ao lado direito, causando assim, um maior aporte sanguíneo aos pulmões. Essa tendência do sangue se desviar para o lado direito é explicada pela menor pressão dessas câmaras.

A passagem do sangue pelo defeito, que permite esse fluxo anormal, é a responsável pelo surgimento do sopro, que é o primeiro sinal para suspeita do diagnóstico.

O aumento do fluxo pulmonar leva a uma diminuição da quantidade de sangue que é direcionada ao restante do organismo, fazendo que o coração compense essa diminuição com o aumento da frequência de batimento cardíaco (taquicardia).

Caso o aumento da frequência cardíaca não consiga suprir as necessidades corporais, a criança pode evoluir com uma dificuldade de ganho de peso e altura.

De outro lado o aumento da quantidade de sangue aos pulmões leva a uma congestão pulmonar. Essa congestão dificulta as trocas gasosas, o que é compensado pelo aumento da frequência respiratória (taquipnéia), ou seja, a criança respira mais “cansadinha”. Essa congestão também favorece ao aumento da secreção pulmonar e com isso é frequente, nas cardiopatias de hiperfluxo pulmonar, as infecções respiratórias de repetição, principalmente as pneumonias.

Com o acúmulo de sangue nos pulmões há uma “reação em cadeia”, acumulando sangue no ventrículo direito, átrio direito e por fim “represando” o sangue no restante do organismo. Isso é percebido, principalmente, pelo aumento e congestão do fígado, que é a hepatomegalia.

Percebe-se que toda essa situação leva ao coração a aumentar sua carga de trabalho, obrigando-o a buscar mecanismos compensatórios para manter sua função. Um desses mecanismos é o aumento do tamanho de suas câmaras, a cardiomegalia.

Sem tratamento, essa condição de hiperfluxo lesa, agride, de tal maneira os vasos sanguíneos dos pulmões que eles se modificam para suportar esse volume sanguíneo maior, ocasionando um aumento da pressão pulmonar. A hipertensão pulmonar é consequência grave das cardiopatias de hiperfluxo pulmonar e é uma condição que deve ser avaliada em todas as consultas a fim de impedir sua instalação, o que muitas vezes pode ser irreversível.

Entendendo o funcionamento do hiperfluxo pulmonar podemos listar os principais sinais e sintomas dessas cardiopatias:

  • Sopro cardíaco;
  • Taquicardia (aumento da frequência cardíaca);
  • Taquipnéia (aumento da frequência respiratória);
  • Baixo ganho de peso e altura;
  • Infecções respiratórias de repetição;
  • Cardiomegalia (aumento do tamanho do coração);
  • Hepatomegalia (aumento do tamanho do fígado);
  • Hipertensão pulmonar.

 Tratamento

O tratamento definitivo das cardiopatias de hiperfluxo pulmonar é a correção do defeito que ocasiona esse hiperfluxo. Essa correção pode ser feita via cirurgia ou, em casos selecionados, através de cateterismo. Algumas cardiopatias de hiperfluxo podem se resolver espontaneamente não sendo necessário o tratamento cirúrgico, outras evoluem sem sintomas ou mesmo sem repercussões podendo ser protelado o tratamento definitivo enquanto não houver sinais de comprometimento cardíaco ou risco de hipertensão pulmonar. As cardiopatias sintomáticas geralmente são estabilizadas clinicamente, através de medicações, até o momento ideal para cirurgia.

Por esses motivos a avaliação de cada criança deve ser individualizada, pois cada uma se comporta de maneira diferente, mesmo aquelas com cardiopatia semelhantes. O seguimento rotineiro com o cardiologista pediátrico é essencial, mesmo para os portadores de defeitos pequenos e assintomáticos, pois ele é o profissional capacitado para notar pequenas alterações hemodinâmicas que muitas vezes passam despercebidos pelos familiares ou pelo pediatra.

Imagens: Reprodução www.brunorocha.com.br

Sobre Dr. Claudio da Silva Miragaia

Dr. Claudio da Silva Miragaia - CRM: 99141; Cardiologista Pediátrico formado no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Título de especialista e área de atuação reconhecido pela AMB/SBP/SBC. Pai da Júlia (6 anos) e do Vinícius (4 anos), atende em consultório próprio na cidade de São José dos Campos – SP / e-mail: claudio@almanaquedospais.com.br

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