Partindo do princípio

Vou falar de um assunto espinhoso e muito polêmico atualmente: o parto. Sinto que estou “colocando a mão na cumbuca”, mas, vamos lá…

Foto: Alexandro Heredia
Foto: Alexandro Heredia

Meu filho Lucas, hoje com 2 anos, nasceu de parto normal após indução devido ao rompimento da bolsa de líquido amniótico antes do início do trabalho de parto, com 40 semanas e 6 dias de gestação. Ele nasceu no hospital em que eu trabalhava como médica assistente do setor de neonatologia, na mesma sala de parto onde recepcionei muitos recém-nascidos durante 6 anos. Posso dizer que o parto do Lucas foi uma experiência prazerosa e recompensadora, pois estava em um ambiente conhecido, cercada por pessoas que conhecia e confiava, podendo fazer escolhas amparada por excelentes profissionais e pela minha própria experiência profissional. Ou seja, não sirvo de exemplo pois para a maioria das mulheres não é possível  conjugar todos esses fatores…

Mas além da minha própria experiência como parturiente, tenho alguns anos de experiência como pediatra em sala de parto, em serviços que atendiam gestantes de baixo e de alto risco. Já presenciei inúmeros absurdos, que hoje são chamados de violência obstétrica, mas também presenciei inúmeras situações em que a intervenção médica salvou vidas, de bebês e de mulheres.

Não acho que o parto domiciliar seja a solução de todos os problemas; acho que é necessária uma estrutura capaz de fornecer 100% de assistência quando algo não acontece como esperado, para a mãe ou para o bebê. O modelo assistencial, as pesquisas e os avanços científicos das últimas décadas permitiram a redução das taxas de mortalidade materna e neonatal, não há como negar. Mas também acho que essa estrutura tem que ser acolhedora para a mulher, inspirar confiança, prover informações que a ajudem a tomar decisões e entender o que está acontecendo. Na verdade, tudo isso deve começar no pré-natal. Preparar-se para o nascimento de um bebê não é apenas comprar berço, roupinhas e lembrancinhas; é se informar sobre o que acontece durante a gestação, estar em sintonia com as modificações físicas e emocionais do período e assumir-se protagonista do ato de trazer uma criança ao mundo.

O que eu observo hoje é um “nós” contra “eles”, médicos e mulheres aparentemente em lados opostos. Por que será que as coisas chegaram a esse ponto?

Em primeiro lugar, acho que hoje as informações estão mais acessíveis para a população em geral, em diversas fontes; existem muitos sites, blogs, reportagens sobre gestação, parto, maternagem, criação de filhos e qualquer outro assunto, alguns muito bons outros meio duvidosos… E ainda é muito forte o famoso “…aconteceu com uma conhecida minha…”.

Em segundo lugar, uma triste realidade é a deterioração da relação médico-paciente, secundária a inúmeros fatores como o péssimo sistema de saúde vigente, tanto público como suplementar, a sobrecarga de trabalho, a baixa remuneração e também fatores relacionados à formação médica.

Com certeza, essa é uma discussão bastante superficial de porque as coisas são como são hoje em dia… Acredito que as pessoas, os pacientes, as gestantes, todos têm mesmo que ter acesso a informações sobre saúde e bem-estar, para que possam ter mais autonomia sobre seu corpo, sua saúde, seus hábitos de vida. Acredito que os médicos precisam rever alguns aspectos de suas práticas e ter atitudes mais acolhedoras para com seus pacientes. Acredito que o sistema de saúde deveria ser mais justo e igualitário, ao invés de deixar insatisfeitos tanto médicos quanto pacientes.

Ao invés de “médicos” contra “gestantes”, deveríamos todos trabalhar pelo interesse comum: uma gravidez plena, que termine com o nascimento de um bebê saudável e uma mãe bem amparada, prontos para a fantástica viagem que é a maternidade.

Sobre Dra. Patricia Carrenho Ruiz

Patricia Carrenho Ruiz, médica pediatra e neonatologista. CRM 113719. Mãe do Lucas, nascido em janeiro de 2012, atualmente, se dedica a ser uma boa mãe pediatra e também uma boa pediatra mãe, refletindo sobre aspectos técnicos, mas também humanísticos dos cuidados com as crianças. Consultório em São José dos Campos. Contato (12) 3922-0331

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Um comentário

  1. Esse assunto está dando muito o que falar nos últimos tempos.. Acredito eu que o primeiro passo é ver a vontade da mãe e depois mostrar os riscos e benefícios.. Eu morro de medo do parto normal, tive minha baixinha de cesária, não me arrependo.. e o próximo será cesária com certeza.

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