Me senti uma mãe solteira

Era um belo dia de manhã.
Acordei cedo como de costume, já que era um dia de meio de semana… dia de escola para mim e para o Thomaz. Fui dar andamento nos preparativos para a escola. Chamei meu monstro para acordar. Cutuquei ele, chamei baixinho perto do ouvido, fiz carinho, dei uma sacudidinha, chamei de novo, dei uma nova sacudida, não tão “dinha” dessa vez, chamei mais alto, sacudi mais forte… depois de aumentar gradativamente o método… já estava fazendo cócegas e mordendo as costas dele para ele levantar, além de dar travesseiradas nele. (com pai é assim… hehehe)

Chamei ele para escovar os dentes. Eu de pé e ele também, mas como sou alto demais, parece que ele fica a quilômetros de distância de mim.
Ele voltou para o quarto enquanto eu preparava o café da manhã. Tudo pronto, chamei ele para se sentar. Aí sim tudo mudou.

Quando me sentei ao lado dele, reparei algo que não havia reparado antes: ele estava com um olho, o direito, muito inchado e todo vermelho. Parecia com uma conjuntivite e então eu me deparei com uma problemática… ele não ia poder ir para a escola, com isso, eu também não poderia ir para a outra escola onde trabalho. Iria ter que faltar.
Estou nessa escola há pouco tempo e logo me bateu a insegurança: o que vão pensar de mim? Eu tendo que faltar por causa do meu filho, seria entendível por eles?
A escola sabe que sou pai solteiro, mas eu mal tinha começado a trabalhar lá… não conhecia bem a coordenação, a direção… não sabia se iam encarar isso na boa.

pai e bebe trabalhando

Mandei uma foto do olho do Thomaz para meu coordenador já avisando que iria ter que ir com ele para o hospital.
Ele respondeu dizendo: – Você não vem trabalhar?
Como não sabia o “tom” que ele usou quando escreveu isso, respondi como quem espera um soco na cara, virando o rosto de lado, fazendo careca de dor: – Não, preciso levar ele no médico.
Do outro lado veio um simples: – ok
Bem, não sabia o que tudo isso queria dizer, mas… segui assim.

Enquanto eu resolvia meu dilema e conversava por mensagem com meu coordenador, Thomaz já havia ido se deitar de novo. Como era muito cedo ainda (6:00 da manhã), resolvi dormi mais um pouquinho com ele. Acordamos as 8:00 e nos arrumei para irmos ao médico.
Chegando lá, o olho nem estava tão inchado mais, mas ainda vermelho. A médica disse que era uma crise alérgica, mas que se no dia seguinte continuasse, que levasse ele num oftalmologista. Subimos na bicicleta de novo e voltamos para casa. Aí fui refletir sobre tudo isso.

Eu me deparei que passei por uma situação inusitada para a grande maioria dos homens/pais: a de precisar faltar ao trabalho por “coisas” do filho. Me perguntei se a sensação que eu tive, de vulnerabilidade profissional, seria a mesma que elas, mulheres/mães, tem ou se era só uma síndrome de principiante.
Normalmente, mesmo em caso de casais, são as mulheres quem precisam “largar” tudo para ir socorrer os rebentos e muitos dos pais, ou não dão a mesma importância ou não estão cientes das possibilidades e das consequências desses detalhes sociais e profissionais.

Creio que numa sociedade sexualmente equilibrada, onde as crianças possam se sentir acalentadas e protegidas por seus genitores e assim mais seguras e confiantes para o futuro, precisamos rever algumas dessas “funções” familiares: dividindo, cooperando, acompanhando, delegando e apoiando as tarefas de criar uma criança em conjunto, homens e mulheres, pais e mães.
Sei que ainda é culpa do padrão social em que fomos criados, o da “tradicional família brasileira”, o que sinceramente, não sei ao certo o que isso quer dizer, mas acredito que podemos romper com essas amarras sociais e recriar nossas perspectivas de pais e mães, separados, casados, solteiros ou viúvos, cobrar e dar espaço para o outro se fazer atuante.
Sei que muitos homens não aceitarão ou continuarão negligentes a essas coisas, mas conheço um monte de pais que lutam para serem participativos e “adorariam” estar presentes no cotidiano de seus filhos.

Imagino que muitos dos chefes de homens que queiram “parar tudo para acudir o filho”, devem pensar: “porque a mãe não vai fazer isso?” Ou, “deixa de ser burro, pense no que é realmente importante e no quanto isso vai lhe prejudicar no seu trabalho”. Como se um trabalho que não prioriza a família fosse algo realmente importante…

Por sorte, meu coordenador foi muito camarada. Até brincou comigo, por causa da foto do olho inchado do Thomaz, dizendo: – se você vier a ter uma hemorroida ou uma gonorreia, por favor não me mande fotos…
Ainda bem que eu ando tendo muita sorte!
=D

Sobre Lizandro Crus Chagas

Carioca, professor, influenciador digital, pai solo e militante da paternidade ativa.

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