Todos sabem da importância da prática rotineira de exercícios físicos. Trata-se de um hábito fundamental à vida saudável, pois auxilia no combate à obesidade, hipertensão, dislipidemia, doenças cardiovasculares, stress, além de promover a socialização, entre outros benefícios. Por esses motivos é cada vez maior o número de crianças praticando esportes, seja como forma de lazer e promoção a saúde, seja com a intenção de competições ou treinamento para alto rendimento. Hoje é comum vermos campeonatos de futebol, competição de natação e até corrida de rua entre crianças com idade pré-escolar, que muitas vezes iniciam essas atividades sem uma avaliação detalhada do seu estado de saúde.
Mas a criança precisa de uma avaliação para atividade física?
Com o maior acesso à informação tem sido frequente notícias de crianças atletas que apresentaram morte súbita durante, ou logo após, a prática de atividade física. Felizmente, estatisticamente, esses eventos são raros no universo de milhares de crianças que praticam alguma modalidade esportiva. Entretanto são mortes, que muitas vezes, poderiam ser evitadas com atitudes simples.
Diferente do adulto, a criança não tem como principais fatores de risco, para eventos cardiovasculares, o hábito de vida e as doenças adquiridas. Os riscos de eventos potencialmente graves em crianças são, principalmente, doenças congênitas e genéticas que devem ser descartadas antes do início de qualquer prática esportiva. Sem uma ordem de prevalência, as principais causas de morte súbita nas crianças esportistas são a cardiomiopatia hipertrófica, as arritmias, as anomalias coronarianas, as cardiopatias congênitas, as miocardites, a displasia arritmogênica e as complicações de doenças adquiridas como a Doença de Chagas e a Febre Reumática. Muitas dessas doenças podem evoluir assintomáticas, ou com sintomas muito inespecíficos que por estarem presente na criança há muito tempo não são valorizados, por esses motivos é essencial a avaliação cardiológica para toda criança que vai iniciar uma atividade física.
Como deve ser essa avaliação?
As crianças que praticam esportes por lazer, sem intenção de competição, necessitam de uma avaliação com o pediatra que durante a anamnese – entrevista do médico ao paciente a fim de buscar informações para diagnóstico de doenças – questionará sobre o comportamento durante as brincadeiras; a história familiar, principalmente sobre a ocorrência de morte súbita ou mesmo desmaios durante a atividade física em parentes próximos; e os antecedentes patológicos e epidemiológicos que possam de alguma forma comprometer a função cardíaca.
A percepção dos sinais e sintomas na criança é muito difícil, pois enfrentamos alguns desafios para definir o que deve, realmente, ser valorizado. Uma criança saudável pode apresentar mais cansaço que outras, por falta de condicionamento físico ou até por ser muito agitada e se esforçar além de seu limite, por outro lado uma criança doente, que aprende a lidar com suas limitações, sabe dosar seu esforço, e, aos olhos dos pais e professores, que estão acostumados com a criança, apresentar-se assintomática. A queixa da dor torácica também levanta muitas dúvidas e deve ser bem investigada durante a consulta, o esforço e o cansaço excessivo, os erros de respiração, o refluxo gastro esofágico, podem desencadear um quadro de dor que deve ser diferenciada da dor de origem cardíaca. Durante o lazer não há um controle da intensidade do exercício, é a própria criança que define seu limiar de esforço durante as brincadeiras, por isso é muito importante a sensibilidade e a experiência do pediatra para definir a intensidade de atividade física que essa criança está submetida.
Com a anamnese e o exame físico o pediatra é o profissional capacitado para liberar as crianças para atividades recreativas.
Para as atividades competitivas a avaliação com o cardiologista é necessária. O treinamento para o alto desempenho exige que o corpo, como um todo, e o coração em particular, trabalhem no limite de suas capacidades e por isso deve ser realizada uma avaliação mais detalhada. Nesses casos, somados a anamnese e ao exame clínico, o eletrocardiograma torna-se instrumento essencial à avaliação da criança atleta, pois assim é possível detectar a maior parte das condições potencialmente danosas à função cardíaca.
Outro exame de grande valor na avaliação é o ecocardiograma, que consegue detectar condições anatômicas e de função cardíaca que possam passar despercebida durante o exame físico e no eletrocardiograma. O ecocardiograma serve também no diagnóstico diferencial entre a hipertrofia ventricular, achado comum no coração do atleta, e a doença miocárdica hipertrófica. Outras indicações para a realização do ecocardiograma incluem queixas específicas durante o interrogatório (dores, tonturas, desmaios, fadiga excessiva); alterações de exame físico (sopros, hipertensão); história familiar de doenças cardíacas ou morte súbita. As crianças com cardiopatas muitas vezes não apresentam contraindicações para prática de atividades físicas, nesses casos o seguimento com ecocardiograma é primordial.
O teste ergométrico e o holter 24 são exames com indicações mais limitadas na avaliação de rotina da criança, sendo solicitados em queixas específicas ou para avaliação e seguimento de cardiopatias já diagnosticadas.
A atividade física é um hábito essencial para uma infância saudável, o que certamente se refletirá na vida adulta, e deve ser estimulada constantemente. A avaliação de toda criança que inicia um esporte é ferramenta primordial para promoção de saúde e a certeza de que nossos pequenos atletas somente se beneficiarão dessa prática sem correr riscos desnecessários.