Quando se fala em cardiopatia no bebê e na criança sempre nos vem à ideia de sopro cardíaco. Há enraizado em nosso pensamento que o sopro é sinônimo de cardiopatia. Também é comum associarmos, as doenças do coração, à baixa estatura, à dificuldade de ganhar peso e à cianose (aspecto arroxeado da pele).
É importante perceber que tudo isso são sintomas e sinais que, isoladamente, não configuram a doença. Para confirmação diagnóstica é necessário à presença de uma alteração anatômica que possa justificar esses sinais e sintomas.
A cardiopatia congênita é aquela em que o bebê nasce com ela, ou seja, é um defeito na formação do coração, que leva a uma alteração no funcionamento normal do órgão. Muitas delas são assintomáticas e podem ser diagnosticadas na criança mais velha ou até nos adultos. Outras são evidentes já no período gestação e percebido durante a ultrassonografia ou pelo ecocardiograma fetal.
Há uma grande variedade de cardiopatias congênitas e cada uma tem um comportamento próprio, assim como cada criança reage, de forma diferente, à determinada condição. Desse modo a avaliação clínica deve ser sempre individualizada.
A maioria das cardiopatias congênitas não é limitante e não causam complicações imediatas ao bebê. Mesmo as doenças mais graves, geralmente, permitem que essa criança tenha uma vida bem próxima do normal. Por isso devemos ter o cuidado de não estigmatizar o bebê cardiopata uma vez que, com o seguimento adequado, ele terá uma vida produtiva como qualquer outra criança.
Para entendermos as cardiopatias congênitas devemos, primeiramente, entender o funcionamento do coração normal, que é o motivo do artigo de hoje.
O Coração Normal
O coração é um órgão formado por musculatura estriada, semelhante a dos músculos esqueléticos. No entanto, seu funcionamento é automático, ou seja, independe de nossa vontade.
Localiza-se no centro da região torácica com a ponta voltada, na maior parte das vezes, para esquerda. Está intimamente relacionado com os pulmões e possui o tamanho aproximado de uma mão fechada.
É dividido em dois lados que se comportam como se fossem dois corações independentes, apesar de funcionarem em perfeita sincronia. Vamos chama-los de “coração direito” e “coração esquerdo”. Esses “dois corações” são separados por uma parede íntegra que se chama septo cardíaco. Cada coração é formado por um átrio, que funciona como uma câmara de passagem, e um ventrículo, que é a parte mais musculosa do coração e a que efetivamente bombeia o sangue. A parte do septo cardíaco que divide os átrios é chamada septo interatrial, e a que divide os ventrículos de septo interventricular. Separando os átrios dos ventrículos temos, do lado direito, a valva tricúspide e, do lado esquerdo, a valva mitral.
O coração é responsável pela circulação do sangue arterial (rico em oxigênio) e do sangue venoso (rico em gás carbônico), para isso e trabalha em harmonia com os pulmões. Isso é muito importante, pois as cardiopatias congênitas têm suas complicações e sintomatologias baseadas, principalmente, no desequilíbrio dessa relação.
E como funciona o coração?
O coração recebe dos pulmões o sangue rico em oxigênio. Esse sangue chega, através das veias pulmonares, no átrio esquerdo (AE), que como já vimos é uma câmara de passagem, do átrio ele passa pela valva mitral ao ventrículo esquerdo (VE), de onde ele é bombeado, através da Artéria Aorta, para todo organismo. O fluxo sanguíneo é direcionado pelas válvulas que se abrem para a passagem do sangue e se fecham logo após, impedindo o retorno do sangue para a câmara de onde saiu. Entre o ventrículo esquerdo e a artéria aorta temos a Valva Aórtica.
Ao distribuir o oxigênio, a todas as células do organismo, o sangue fica rico em gás carbônico e retorna ao coração desembocando no átrio direito pelas Veias Cavas. Uma vez no átrio o sangue passa, pela valva tricúspide, ao ventrículo direito e daí é direcionado, através Valva Pulmonar, para a Artéria Pulmonar chegando aos pulmões onde receberá, novamente, oxigênio ficando pronto para retornar ao átrio esquerdo e, assim, fechando o ciclo.
Percebemos que o “coração direito” trabalha exclusivamente com sangue venoso (rico em gás carbônico) e o coração “esquerdo” com sangue arterial (rio em oxigênio). O perfeito equilíbrio no funcionamento desses “dois corações” promove o adequado fluxo de sangue ao organismo e aos pulmões.
Nas cardiopatias congênitas ocorrem defeitos na formação do coração que comprometem esse equilíbrio, levando a um aumento, ou a uma diminuição do fluxo sanguíneo pulmonar. Deste modo, de maneira didática, podemos dividir as cardiopatias congênitas em três grandes grupos:
- as cardiopatias de hiperfluxo pulmonar;
- as cardiopatias de hipofluxo pulmonar;
- as cardiopatias de normofluxo pulmonar.
Apesar de dentro de esses grupos haverem inúmeras doenças distintas o agrupamento nos dá a possibilidade de entender aspectos funcionais das cardiopatias mais frequentes, sem as necessidades de individualiza-las, pois se apresentam semelhante no seu funcionamento. Portanto, nos próximos artigos detalharemos esses grupos e listaremos as doenças mais frequentes em cada um deles.