Fardos da Criação

Chego na escola e vejo meu pequeno de cara amarrada, cabeça baixa e amuado. Já sei o que foi, conheço meu monstrinho…, mas finjo que não sei de nada ainda. Me aproximo e pergunto para a professora dele, comumente chamada de “tia”:
– como ele se comportou hoje tia?
– Olha pai… ele fez pirraça hoje e brigou com o coleguinha. – Ela me conhece e acho que sabe que isso acarretará numa consequência que, normalmente, resolve o problema.
– Pode deixar que vou conversar com ele. – digo eu, olhando para ele que até ficou feliz quando me viu, mas quando ouviu a “dedo duro” da tia, soube que o caldo ia engrossar e apertou a cara, ensaiando uma quase dor para chorar.

– Você fez “isso” meu filho?? – pausa e respiro fundo. – Em casa a gente conversa!
– Nããããoooooo… conversar nãoooo…

– Oh oh… sem choro…, vamos, pega sua mochila e vamos embora. Dá o beijo da tia. Me dá a mão e vamos.

Alguns dos alunos no pátio são das minhas turmas e conhecem o meu arteiro.

– Professor, ele está chorando.
– Deixa ele.
– O Senhor é mal! Tadinho.
– Sou sim e não se esqueçam disso quando eu entrar em sala de aula que posso ser assim com vocês também.
Ouço enquanto me afasto.
– Dá mole pro Lizandro para ver só…

Sou sim? Sou mal? Veremos…

No ponto do ônibus, sem brincadeiras. Em pé ao meu lado, de mão dada comigo. Sem entrar na loja de roupa, na frente do ponto, para brincar com a roupa pendurada nas araras.
No ônibus, sentado no meu colo. Sem carinho e sem abraços.

Em casa…
– Senta aí. – aponto pro sofá enquanto jogo a mochila dele sobre a poltrona e “abro” a casa.

Ele se senta encostado, como se tentasse se esconder nas costas do sofá.

Puxo a mesinha de centro e sento nela, na frente dele.

Pergunto a ele o que ele fez de errado na escola. Mando ele sentar direito e olhar para mim enquanto fala comigo. Ouço o que ele tem a dizer, mandando me dizer a verdade. Ele diz, eu explico a ele que isso não é certo e tal… e então explico que ele tem que lembrar do que fez para não fazer de novo e por isso, vai ficar de castigo: sem TV, vídeo game, bola, cinema e o pior… sem carinho o dia todo. Sim, sem carinho.

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Isso gera uma pequena “dor” no rosto dele. Ele ameaça chorar, eu demonstro que não ligo e digo que ele só sai do castigo se no dia seguinte, se comportar bem na escola.
Pergunto se tem dúvidas. Digo:
– Entendido?
– Sim – responde ele de cabeça baixa.
Faço uma espécie de aceno com a cabeça e me levanto.

Não é fácil como parece para mim não…
Dar essa chamada nele, fazer cara de mal, de bravo e o pior… ficar sem carinho.
É um dia inteiro sem falar com ele direito, dando pequenas “patadas”, ele dizendo que me ama e eu sem responder direito, ele tentando subir em cima de mim e eu dizendo que não quero brincadeira com ele, pedindo para montar quebra-cabeça e eu dizendo que não, eu deitado na cama e ele vem me dar beijo, pedindo desculpas dizendo que não vai mais fazer isso não e eu tendo que dizer que só acredito se no dia seguinte ele se comportar bem…

Sabe quando dizem que educar dá trabalho? Pois é. Dá muito trabalho… cansa, entristece e até dói. Dói muito as vezes. Ter que negar meu filho é muito ruim. Mas me baseio que é um dia por um monte de outros com uma criança melhor.

Melhor no sentido de ter consciência de seus atos, de entender o que acontece quando fazemos besteira, que ele não pode fazer só o que quer… temos responsabilidade, todos temos e ele também, mesmo sendo uma criança.

Acho que eu não sou o único exemplo de como educar uma criança. Acho não, tenho certeza. Cada um tem que buscar o seu método, mas tem que educar.
É um fardo grande, pesado e cansativo.
Ah, você não acredita que essa foi a única vez que passei por essa situação, né? Já passei outras e passarei de novo… Tenham certeza disso.
Educar é insistir… forçar a passagem de um triângulo pelo buraco de um quadrado naqueles brinquedos infantis, até conseguir.
Se não quiser isso, pense bem antes de ter um filho ou ature tudo o que ele fará de inconsequente por não ter aprendido o que é “certo” e o que é “errado” quando era pequeno.

Mas eduque bem, invista nesse tempo para ter alguma garantia de “sucesso” e terá mais alegrias do que preocupações com sua eterna criança. É nisso em que acredito e deposito minhas fichas.
Espero estar certo.
=]

 

Sobre Lizandro Crus Chagas

Carioca, professor, influenciador digital, pai solo e militante da paternidade ativa.

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